sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Tragédia de Petrópolis 2022 - PARTE 1

 

TRAGÉDIA EM PETRÓPOLIS-RJ

Petrópolis, 15 de fevereiro de 2022

 

A partir das 15h45 do dia 15 de fevereiro de 2022 começou a chover muito forte em Petrópolis. Eu havia acabado de entrar na academia de dança no bairro Valparaíso para fazer o meu treino de balé com minha professora Marion e uma colega. Ficamos preocupadas com o volume de chuva, muitos raios e o tempo que estava durando esse temporal.

Meu namorado me mandou mensagem às 17h10 perguntando se eu estava em casa e ele disse que estava no posto da Rua Treze de Maio, no centro, onde ele pega ônibus pra ir pra casa no fim do trabalho, que a bateria do celular dele estava acabando e que ele sairia de lá quando os ônibus voltassem a andar, mandou também um vídeo de 5 segundos da rua e uma foto que parecia ser da outra rua mais adiante que ele pega pra ir pra casa dele e que passa um rio no meio. Isso me deixou confusa se ele estava dentro ou fora de um ônibus. Às 17h30 ele escreveu também que a cidade estava com alguns pontos de alagamento e que não tinha como ir pra minha casa também porque não dava para passar por perto da Catedral. As mensagens foram poucas e confusas por causa da bateria do celular. Minha avó também me mandou mensagem às 17h10 perguntando se eu estava bem e dizendo que meu pai tinha deixado ela em casa, mas ainda não tinha conseguido chegar à nossa casa.



RUA 13 DE MAIO

Saímos da academia de ballet às 18h porque vimos que as condições não estariam boas para eu voltar pra casa mais tarde com tanta chuva e possibilidade dos rios encherem, então cancelamos as próximas aulas do dia. Ao sairmos vimos tanta água caindo do céu que pareciam estar jogando baldes, também caindo das calhas e das escadinhas parecia uma cascata e parte do asfalto com bastante água descendo. O carro da Marion estava estacionado do lado e vimos que uma pequena árvore tinha caído em cima dele e um pouco de terra no lado do motorista, de forma que tivemos que entrar as duas pelo lado do carona e ela ficou muito nervosa, mas só deu um pequeno arranhão e tivemos sorte de conseguir sair sem atolar. Descemos a rua até onde conseguimos, na altura do cemitério, e eu mandei um pequeno vídeo pra minha mãe, pai e namorado pra avisar que o trânsito estava intenso e parado e com muita chuva.


PRAÇA OSWALDO CRUZ

Quando começamos a pensar em voltar e fazer outro caminho, a fila andou um pouco e ela se ofereceu pra me deixar mais perto de casa (na Praça da Liberdade) antes de seguir o caminho dela. Pensei nessa hora em ela pegar meu namorado e deixa-lo no caminho dele porque iriam tudo na mesma direção, mas andamos quase nada. Paramos, e tivemos que seguir o caminho para a casa da Marion porque para o lado da minha casa as pessoas da frente falaram que estava tudo alagado e todo mundo mudou a direção. Então paramos novamente e eu vi que ia demorar porque pra qualquer lado tinha rios e estavam todos cheios, os carros estavam desligados. Comprei um biscoito e um café pra nos aquecer porque estávamos encharcadas só de ter andado com guarda-chuva da porta do Studio até o carro que estava ao lado. Ficamos paradas na Rua Montecaseros de 18h até 20h mais ou menos.

As pessoas que chegaram perto do rio disseram que a correnteza estava na altura do peito de um homem. Esse foi o 1º dia de aula presencial de muitas crianças depois de 2 anos de pandemia. Na rua onde estávamos, havia muitas crianças pequenas na escola, estávamos na parte alta da rua, seguras, mas quero ressaltar que estávamos em horário comercial, então estavam todos nos seus trabalhos e ficaram presos assim como muitos pais não conseguiram ter acesso para buscarem os filhos na escola. Foi aí que eu comecei a ter ideia do tamanho da confusão.

Às 18h30 a chuva parou por ali onde estávamos e eu estava nessa meia horinha me comunicando com todos: meu cunhado, cunhada, meu pai... Pedi pra meu pai mandar vídeo de onde ele estava. Ele disse que estava na Rua Teresa e eu não entendi porque ele estava lá porque não tinha nenhuma explicação óbvia pra isso. Consegui saber que meu cunhado e cunhada estavam bem também apesar de que só falei com ele que estava no trabalho. Eu também comecei a ver mensagens de grupos de whatsapp que não tinha pressa de abrir porque costuma ter só brincadeiras de amigos, mas tinha muitas mensagens de vídeos chocantes mostrando o que a chuva estava fazendo na cidade. Uma amiga desse grupo, inclusive havia saído para buscar a filha na escola e ficou ilhada no centro.



BAIRRO
CENTRO

 

Meu pai primeiramente não quis mandar foto, mas um pouco depois mandou um vídeo de 5 segundos mostrando que ele estava bem, mas o local que ele estava fora do normal com trânsito completamente parado, carros abandonados, o carro dele sem saída, uma barreira tinha caído e ainda chovia. Depois ele escreveu que estava em uma oficina mecânica. Aí fiquei sem conexão de internet e ligação. Então liguei pra minha mãe pelo celular da Marion, minha mãe estava tranquila. Meu pai tinha me deixado no bairro Valparaíso, levou minha avó na clínica de olhos, ainda conseguiu deixá-la em casa às 16h30 e foi pra casa dele pela Rua Teresa porque quando passou pela Rua do Imperador (a principal do centro) ela já estava quase cheia e a Rua Teresa é mais alta, mas eu não sabia nada disso e evitei falar mais com minha avó pra não deixá-la preocupada.





RUA TERESA

A partir de 19h, enquanto esperávamos o nível do rio baixar a gente saiu do carro e conversamos com algumas pessoas e elas já estavam falando que caíram duas barreiras no bairro Alto da Serra: a da Rua Teresa (onde meu pai estava) e outra no Morro da Oficina (esse é o nome do local) com muitas casas em situação de risco e muitos moradores, inclusive uma escola soterrada. Ouvimos fake news também, por exemplo que caiu um prédio na Rua Paulo Barbosa, que é a rua que eu moro e onde minha mãe estava. Fiquei apavorada e liguei pra ela, ainda bem que ela estava bem, porém não conseguia ver muita coisa da janela e só ouvia umas pessoas gritando e olhando pra o começo da rua. Da onde eu estava, dava pra ver na rua de baixo um caminhão abandonado, e ônibus estacionados ao nosso lado na descida, não deu pra mostrar muito bem nos meus vídeos porque já estava muito escuro. Eu fui ao banheiro de um petshop e encontrei uma conhecida que não sabia que trabalhava lá, estava tudo bem com a família dela.



 MORRO DA OFICINA


 
RUA MONTECASEROS

Como eu estava em uma rua praticamente paralela à que meu namorado estava ilhado, tentei de toda forma entrar em contato, mas realmente ele estava com o celular descarregado. A última mensagem que chegou pra ele foi às 18h40. Ele: “Ainda na 14” (saiu 14 em vez de 13 mesmo) e eu: “E eu ainda perto da Montecaseros. Sua irmã está bem?” Ele parecia estar com esperança de os ônibus voltarem a correr e as mensagens dele estavam muito confusas, provavelmente por causa da bateria fraca.

Às 20h30 o nível do rio baixou e meu pai conseguiu chegar em casa e ligar para o celular da Marion pra falar comigo.


VÍDEOS CAMIMHO PAI

Ela me deixou exatamente na rua onde ele estava porque foi o local mais a caminho da minha casa e seguiu o caminho dela. Eu tentei olhar todos os rostos que pude, mas não o encontrei, tinha muita gente começando a andar, todo mundo parecendo medigo, e “meti o pé” pro meu caminho porque podia voltar a chover. Pensei que o William, meu namorado, também teria começado a ir à pé pra casa dele. Tentei ir o mais rápido que pude. Isso era 20h40, até tirei rapidamente algumas fotos de coisas inimagináveis no centro histórico como um carro na beira de cair, os corrimãos das pontes da frente da Catedral desmoronados, as grades das casas caíram também e muita lama, o jardim na frente da Câmara de Vereadores tinha virado um lago, saía muita água de dentro das portas de vidro da secretaria de turismo e do Instituto Municipal de Cultura, parecia uma fazenda, eu nunca sequer poderia imaginar tamanho estrago. Ouvia também pessoas gritando que estavam vendo uma perna flutuando e coisas do tipo. As equipes de resgate agora que estavam começando a chegar porque não tinham conseguido passagem antes também.

VÍDEOS IMC


E MEU TRAJETO NO CENTRO



AVENIDA KOELLER

Chegando ao Theatro Dom Pedro no centro, entrei pela Nilo Peçanha, uma rua estreita porque achei mais curto o caminho pra casa e parecia desimpedida (não tinha visão do obelisco, acho que tinha um ônibus abandonado na frente ou muitos carros). Então, todo mundo começou a correr e a gritar “Arrastão!” Eu fiquei chocada porque “Como poderiam roubar as pessoas sem ter nem pra onde levar os materiais? e “De onde teriam aparecido esses bandidos?”. Fiquei com medo de morrer de tiro no meio desse desastre, que coisa absurda! As pessoas estão ficando loucas mesmo. Estava todo mundo sem saber pra onde ir. Entrei no primeiro local seguro que encontrei uma lanchonete, porque pra onde eu olhava (clínicas e coisas assim) as pessoas estavam do lado de fora ou atrás de grades, o que não protege de assalto. O funcionário abaixou o portão e estava com duas facas na mão ameaçando cortar o pescoço de quem estivesse fazendo arrastão. Eu fiquei em pânico! Ali só tinha eu, duas funcionárias mulheres, dois funcionários homens e uma pedestre. A transeunte se abaixou e começou a chorar, eu respirei e pensei que estava tão perto de casa que devia sair logo dali. Pedi pra fazerem silencio para não saberem que a gente estava ali dentro. As pessoas ainda corriam e gritavam do lado de fora. Em cerca de 5 minutos os gritos pararam, eu tomei coragem e saí. Vi mais pessoas apavoradas no caminho.


VÍDEO ARRASTÃO

Consegui chegar ao meu prédio às 21h50. Havia muitas pessoas abrigadas dentro da galeria onde moro. Meu celular voltou a pegar, eu me limpei porque estava suja de lama até o joelho, tomei banho e vi que ainda não tinha mensagens do William. A irmã dele que mora ao lado dele estava em contato comigo. Acho que ela não estava sabendo a proporção do estrago que estava acontecendo, assim como minha mãe. Sorte delas! Fiquei sabendo por contatos que passaram pela rua onde ele precisava passar, que um poste havia explodido e uma parte do asfasto havia caído. Fiquei nervosa e extremamente preocupada, as horas estavam passando muito lentamente e ninguém conseguia me acalmar.

Na hora que eu acabei de fazer a primeira oração do terço ajoelhada, às 23h58, a Josi, cunhada, avisou que ele chegou. Até chorei de alívio. Liguei e nos falamos. Alguns amigos de outras cidades já estavam sabendo o que estava acontecendo em Petrópolis, me perguntando e eu mandei mensagem avisando que estava bem, alguns conhecidos daqui também. E assim, por volta de 2h da madrugada eu consegui dormir, depois de ter deixado alguns alimentos para o porteiro que estava há quase 24h em serviço e eu sabia que não iria conseguir sair daqui tão cedo.

A tragédia de 15 de fevereiro de 2022 ficará na lembrança dos moradores de Petrópolis para sempre. Acompanhe na próxima publicação mais detalhes dos dias posteriores.