O que trouxe dentro de mim
Jaén, minha mais nova casa. Como a amo... Jaén é como a
cidade dos sonhos. Alguns pensam que é muito pequena e não tem nada de interessante.
Vão me perguntar: Por que gosta tanto uma cidade com 116 mil habitantes? Porque
é a cidade dos erasmus, (Erasmus é um
programa de bolsas para estudantes, existem muitos outros programas, mas,
normalmente somos todos conhecidos como erasmus).
Jaén é tranquila como a cidade que vivi em minha infância no Brasil, isso já me
fez gostar dela de início.
Fazia muito frio... Eu e meu amigo Edgar, fomos os primeiros
a chegar, pois faltavam 5 dias pro início das aulas. Quando chegamos não
sabíamos onde comer, ainda não tínhamos comprado comida e precisávamos almoçar
e jantar fora. Digamos que nos 5 primeiros dias vivemos à base de pão (aquele
pão duro enorme que é comum na Europa), queijo, presunto e churros com
chocolate. Eu me perguntava “Será mesmo tão pequena que não há restaurantes?”.
Mas, a partir de quando Raísa, nossa outra amiga chegou, ela
já tinha um conhecido em Jaén e eles nos levaram pra conhecer uns bares. Foi aí
que provamos nossas primeiras tapas. Tapas é um termo que também se usa em
Portugal, são aperitivos. A grande diferença na Espanha é que você não paga as
tapas, ganha uma por pessoa a cada bebida que pede. Os jiennenses e os erasmus de
Jaén têm o costume de andar de bar em bar pedindo bebidas e sobrevivendo de
tapas. Os bares onde fomos eram localizados no centro da cidade, que é a parte
alta, com o passar do tempo, eu conheci o bairro dos bares e restaurantes,
Boulevard... aí sim! E mais, é perto de onde eu morava. Vivi 6 meses e não
conheci todos porque são muitos, sempre tinha um novo que alguém recomendava, e
quando gostávamos voltávamos. Foi ótimo viver com dois brasileiros, toda noite
tínhamos assuntos, Raísa sempre levava amigos para casa. E Edgar sempre tinha
programas para a noite.
Terei muito a escrever sobre essa pequenina cidade ainda
que, o que há de turismo em Jaén, conheci no primeiro mês, que são a Catedral,
que está na lista de espera para ser Patrimônio Mundial da Humanidade, o
Castelo, os Banhos Árabes e o Refúgio de Judeus, que foi usado durante a 2ª
Guerra Mundial. A primeira visita que fiz foi à Catedral, havia poucas pessoas
no grupo, mas entre elas duas brasileiras que vieram a ser minhas companheiras
na classe de espanhol para estrangeiros coincidentemente, Taynan e Letícia.
Tivemos duas semanas de boas vindas aos estrangeiros, para que nos
conhecêssemos. Esses primeiros dias, tentando novas línguas e conhecendo
pessoas com culturas, jeitos, aparências tão diferentes são muito empolgantes.
Com o tempo, naturalmente as pessoas de cada nacionalidade se aproximaram. O botellón é um encontro na casa de alguém
antes das festas de quinta feira que eram grátis nas duas principais casas de
festa da cidade. As histórias de botellón
ficarão entre nós que estávamos ali. O fato é que não perdíamos um e, depois,
toda a comunidade de 450 estudantes estrangeiros aproximadamente se encontrava
a partir das 3h da madrugada na Mambo ou na Karma, essa hora começavam as
festas.
Entre as coisas que vivi em Jaén posso dizer que vi neve.
Sim, eu estava lá nos dois fins de semana que as montanhas ficaram branquinhas!
Jaén não é nada úmida, por isso não nevou mais vezes, mas quando chovia, sai de
baixo! Uma chuva muito forte e fria. No inverno lembro-me
que na hora de deitar a cama parecia fria e quando acordava estava tão
quentinha... Por falar em tempo meteorológico, a melhor estação que vivi em
Jaén foi primavera, por sorte foi a estação que vivi do início ao fim ali.
Quando chega a primavera tudo fica mais alegre e colorido, as árvores se enchem
de folhas verdes, podemos tirar as roupas de calor das malas e guardar as de
frio pouco a pouco... já podemos começar a planejar viagem para as praias e
sempre tomar muito cuidado com o sol, que parece ameno, mas não é. No verão é
que começamos a sentir o sol e descobrimos a verdadeira importância da sesta.
Fazem 50ºC de dia, e cerca de 25º à noite, escurece às 22h20min e amanhece às
6h30 mais ou menos, é impossível sair na rua entre 14h e 17h, o horário mais
quente.
Minhas manhãs e tardes eram a Universidade, maravilhosa,
dava vontade de estudar com tanta limpeza, tecnologia, bons professores, salas
de aula com aquecimento. No meu curso dava mais vontade ainda, sendo História
da Arte muito mais antiga e presente na Europa. Eu tinha prazer de acordar cedo
para ir às aulas a pesar de todo o frio e sono que dá de manhã. Depois de três
semanas que percebi que teria que pegar firme nos estudos porque as 5 matérias
que elegi demandariam bastante tempo de dedicação fora da sala de aula. Mas meu caso é raridade, a maioria dos erasmus não comparecia
às aulas, ou não gostavam delas.
Transformei-me, sinto-me madura depois de conhecer outras
pessoas, culturas, lugares, tradições, hábitos... Transformamos ideias sobre
coisas que parecem simples, mas que fazem grande diferença na nossa vida quando
voltamos ao país de origem, como músicas novas, que não gostávamos quando
chegamos ali e agora só queremos ouvi-las. Eu que cheguei lá falando que queria
só conhecer os lindos lugares e atividades culturais, agora amo as festas e os
encontros! Aprendi a me vestir melhor, foi natural, foi só o fato de ver como
as pessoas se vestem no dia-a-dia e ver roupas e acessórios bonitos e baratos
nas lojas, dava vontade de me vestir daquela forma e mantive o hábito na volta
ao Brasil. Aprendi a cozinhar e a levar uma vida menos corrida, sair mais e
ouvir muita música. Até gostava de cozinhar, aprendi pratos brasileiros e estrangeiros
por necessidade e por contatos que me ensinaram.
Jaén é a cidade dos sonhos por tudo isso, os espanhóis da
Andaluzia são muito simpáticos e agradáveis, os erasmus, cada um tem sua
personalidade, mas são muito iguais por estarmos todos com intenções muito
parecidas, de cabeça aberta para conhecer novos mundos e aceitar as diferenças.
Para mim a letra da música do grupo Engenheiros do Havaí resume algumas
sensações. “Estamos sós e nenhum de
nós/sabe exatamente onde vai parar/mas não precisamos saber pra onde vamos/nós
só precisamos ir/não queremos ter o que não temos/nós só queremos viver/sem
motivos nem objetivos/estamos vivos e isso é tudo/ é sobretudo a lei/dessa
infinita highway”. Ao longo dos 6 meses
fizemos amizades para a vida, nos conhecemos em diferentes situações, viajamos
muito juntos. A gente criou uma família tão rápido que nem percebemos às vezes
o quão fortes essas relações se tornaram... Longe da família e de todos os
afetos mais antigos, estávamos juntos na mesma jornada de conhecer o mundo e a
vida. Os latinos se aproximaram desde o princípio, para mim os Mexicanos são
incríveis, os chilenos, colombianos... Fazíamos nosso arroz com feijão e os
mexicanos faziam suas tortillas com
guacamole, feijão e muita pimenta...
A cidade pequena é perfeita para ver os amigos. À noite
saímos para beber e comer tapas, no fim de semana para ver um filme na casa da
amiga vizinha ou ir ao parque fazer um piquenique no Boulevard e, por acaso,
descobrir que todos os erasmus tinham tido a mesma ideia... haha... Quando não
quer fazer nada disso, também pode viajar para cidades próximas, ou fazer um
passeio ecológico até o Castelo ou ir a um parque mais afastado. Ou seja, vemos
os amigos sem dificuldade sempre que quisermos.
Já no meu último mês em Jaén, muitos já tinham voltado para
seus países ou saído a viajar pela Europa por semanas e não voltariam mais ali
antes da minha despedida. Então, entre os poucos que restamos tivemos a chance
de fazer novos amigos, pessoas maravilhosas que me perguntei: Por que não nos
conhecemos antes? E dessa vez o contato e a amizade não era só com os
brasileiros ou com os latinos, mas com italianos, franceses, portugueses,
poloneses... Foram duas últimas semanas divertidíssimas, de muita festa e bate
papo. Minha despedida não podia ser mais engraçada. Meus companheiros de apto
desceram para me ajudar a levar as malas e eu simplesmente os tranquei do lado
de fora da casa (a porta se tranca ao fechar). Pior ainda, perdi meu ônibus, tive
que voltar, e também fiquei presa do lado de fora, pois já tinha devolvido
minhas chaves. Enfim, foram umas horinhas a mais me despedindo da minha cidade
querida.
Na volta pra casa, dentro do avião, tudo passa pela cabeça,
tudo que vivi e muitos questionamentos: “Como será o reencontro com a
família?”, “Farei uma boa viagem?”, “O que vai mudar na minha vida de antes?”, “Quando voltarei a minha nova casa na Espanha?”, “Quando vou
rever minha família erasmus?”... e muitos outros. Hoje eu tenho sempre
coisas para compartilhar, está natural, para mim, ver as coisas do Brasil e
comparar, tanto coisas boas, como ruins, tenho lembranças maravilhosas de uma
fase que nunca vou me esquecer, e muita vontade de viajar mais e mais, porque é
uma experiência sensacional!
Foto Rosamarina Q.
Foto Luana Carolina
Rosamarina Quadros da Costa
Estudante de História da Arte
31/07/2016