PÓS-TRAGÉDIA
PETRÓPOLIS-RJ
Petrópolis, 18 de fevereiro de 2022.
Em Petrópolis estamos todos muito comovidos com os desastres causados pelas chuvas desde 15 de fevereiro de 2022. Escrevo desde 15 de fevereiro porque aqui chove sempre. No dia seguinte à tragédia fez sol o dia inteiro, mas no fim da tarde do dia 17 começou a chuva novamente de leve a moderada e continuou chovendo até o fim da tarde do dia 18, com poucas pausas. Então, o solo se manteve bastante encharcado com mais riscos de deslizamentos e enchentes.
A Igreja de Santo Antônio já estava com mais de 240 pessoas abrigadas e também outros templos religiosos foram os primeiros a acolher sobreviventes após o dilúvio. No dia 17 mesmo houve mais um alerta de risco de desabamento de uma grande rocha na Rua 24 de Maio, centro e muitas pessoas tiveram que deixar suas casas.
Próximo a esse local, a mídia estava mostrando que podia se ver água escorrendo como uma cascata onde antes não havia. Além disso, teve um leve alagamento nas margens do Rio Quitandinha, Rua Coronel Veiga, que é onde costuma encher primeiro e um desabamento menor no bairro Vila Militar dois dias depois da grande tragédia.
Eu, que moro em uma rua segura no centro,
durante mais de 48 horas escutava helicópteros, gritos e sirenes de ambulâncias
e bombeiros sem parar. Até dia 18/02 havia confirmação de 117 mortes na cidade
inteira e 116 desaparecidos. Mas quem viu de perto tudo isso acontecer, já
sabia que o número de vítimas fatais seria muito maior. Se, para mim a angústia
de duas a três horas sem saber onde estavam pessoas queridas pra mim foi
imensa, fico imaginando 3 dias! Tudo está chegando muito devagar para o mundo.
O Brasil inteiro está comovido e outros estados começam a enviar ajuda. O dia
16 foi de muitas buscas principalmente no Morro da Oficina, mas só encontraram
cerca de 40 corpos. Recebemos vídeos em
tempo real nas redes sociais e na televisão dos voluntários fazendo buscas e
apenas cerca de 3 bombeiros em cada local. Apenas sexta (18/02) os bombeiros
chegaram a alguns bairros como Caixambu, que também teve casas soterradas. Há
muita reclamação da falta de homens treinados para escavar, revolta e angústia
de pensar que pode haver pessoas vivas dentro de casas que foram soterradas.
Falta também maquinário mais pesado para a remoção de terra, mas os
especialistas alegam que seria mais perigoso colocar veículos pesados lá.
Ainda sobre dia 15, duas amigas me contaram
sobre o livramento que tiveram por não terem comparecido a consultas médicas.
No meu caso, também considero uma bênção estar bem em casa e com toda minha
família e conhecidos vivos e bem, e com o bônus de meu pai ter conseguido ainda
recuperar o carro que teve que abandonar na rua. Apenas uma colega teve
ferimentos ao ficar soterrada, só com peito e cabeça pra fora, mas passa bem.
Eu já tinha ido pelo menos uma vez em todos os locais que tiveram desabamentos
(Castelânea, Alto da Serra, Chácara Flora, Caixambu, Morro da Oficina, Floresta
e Vila Militar) e conheço pessoas que moram nesses locais.
Catástrofe, tragédia, estado de choque e
cenário de guerra são alguns termos para descrever o que estamos vivendo. Temos
muitos depoimentos de pessoas que tiveram perdas em diversos pontos da cidade.
Petrópolis, 21 de fevereiro de 2022.
Nas histórias da mitologia grega sempre os
grandes fenômenos naturais são resultado da ira ou da desordem dos deuses e
titãs. Dá até vontade de acreditar nesses contos. A tragédia de Petrópolis em
15 de fevereiro de 2022 foi, sem dúvida, a maior que eu já presenciei tão de
perto e se compara com os casos das Barragens de Mariana e Brumadinho em Minas
Gerais. Para quem está longe é mais fácil seguir a vida normalmente sem se
afetar tanto. No entanto, seis dias após o grande estrago eu ainda via as ruas
do centro com o aspecto de uma grande fazenda, com muita terra por cima do
asfalto e das calçadas.
A cidade ainda de luto, casas
inteiras soterradas, realmente é tudo muito delicado e triste. Eu não tinha noção de até
quando somente as atividades essenciais iriam funcionar porque o trânsito ainda
estava impossível em alguns pontos. Saí à pé apenas duas vezes para entregar e ajudar com algumas doações e, a terceira vez (segunda-feira 21 de fevereiro), fui
até a casa dos meus avós que moram sozinhos e têm mais de 85 anos e moram
perto. A cada relance uma tristeza no centro da cidade porque eu via
sapatarias, óticas, farmácias e outras lojas diversas com prateleiras vazias e
os funcionários fazendo limpeza do interior e das calçadas e selecionando a
mercadoria que não foi perdida. Outras ainda com as vitrines respingadas de
lama, vi até um caminhão estacionado dentro de uma galeria recolhendo terra e
já estava cheio.
Dois pontos de comércio na Rua do Imperador
A partir do dia 19, começamos a ver mais homens
do corpo de bombeiros, militares e cães farejadores atuando nas buscas, além de
equipamentos pesados para a limpeza da cidade e restrição do acesso de pessoas
que não moram nas regiões de buscas. Os dados de 21 de fevereiro eram aproximadamente: 180
óbitos, muitos desaparecidos, 24 pessoas resgatadas com vida e 14 pontos de apoio
para receber pessoas desabrigadas. Acredito que depois de seis dias, as chances
de encontrar alguém com vida sejam quase nulas. Contudo, as buscas continuam e dia 21/02 foi o 2º dia de sol firme desde dia 15.
Felizmente há muita mobilização das pessoas
para ajudar com mantimentos, roupas e até com arte para distrair as crianças,
adultos e idosos que estão nos abrigos. Outra notícia boa é que um grupo de
mulheres presidiárias de Bangu estão customizando roupas novas que foram
apreendidas por pirataria e essas roupas serão doadas para as vítimas de
Petrópolis (mais de 800 pessoas tiveram que abandonar suas casas e estão
abrigadas nas escolas públicas da cidade). As presidiárias fazem serviço social
de reabilitação e as pessoas são ajudadas, o que é lindo. Cada um ajuda como
pode, o importante é ajudar.
Petrópolis, 21 de março de 2022
A tragédia de fevereiro de 2022 em Petrópolis
não foi causada por apenas um fator, e sim um conjunto de motivos como: falta
de manutenção dos túneis de escoamento das águas dos três rios que cortam a
cidade, moradias irregulares, avisos tardios de evacuar áreas de risco,
mudanças climáticas e descaso. Um mês depois, o número oficial registrado de vítimas fatais da tragédia foi 233 pessoas e quatro ainda desaparecidos. As imagens
que podem ser vistas de vários pontos da cidade parecem feridas abertas.
Li algumas matérias escritas de especialistas
dizendo que Petrópolis não foi feita para “crescer” tanto desordenadamente,
apesar de ter sido a princípio uma cidade planejada. Cá entre nós, não precisa
ser especialista pra chegar a essa conclusão, está muito claro para quem observa
e para quem mora aqui essa informação é totalmente desnecessária. Depois desse
acontecimento, muita gente está querendo sair daqui por medo, medo de ficar em
casa e medo de sair e não conseguir voltar, medo de perder repetidas vezes o
que foi investido no comércio, etc.
No entanto, eu penso que, se nós (meros
mortais) temos capacidade de fazer tantas coisas, também temos capacidade de
estudar para fazer bons planejamentos de urbanismo para as atuais conjunturas.
Então, o pensamento correto deveria ser “já que a cidade está crescendo,
precisamos adaptá-la porque mesmo que a força da natureza seja muito maior que
a nossa, algumas coisas poderiam ter sido evitadas e realmente o poder público
é muito lento! A sociedade civil tem resolvido o que está a seu alcance com
muito mais empenho.
Passou o feriado de carnaval, que este ano foi
na primeira semana de março, e retomamos nossas atividades presenciais. A
cidade teve ruas bastante danificadas o que fez com que o trânsito também
ficasse alterado sem grandes obras de restauração das vias ainda.
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Na Rua do Imperador, que é a principal via do centro da cidade,
muitas lojas, farmácias e agências bancárias fecharam e não reabriram mais.
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Foi feita a implosão de algumas rochas que estavam ameaçando
moradias ou obstruindo ruas.
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A prefeitura conseguiu um prédio para abrigar pessoas, mas não
todas. Algumas famílias que perderam suas casas conseguiram o aluguel social e
outras continuam nos abrigos. Além disso, quase foi comprado pelo governo da
cidade um terreno para construir moradias, mas descobriu-se que era uma reserva
ambiental e que há uma nascente no local, o que o torna totalmente inadequado
para construir casas. É inacreditável! Ainda bem que descobriram e jogaram na
mídia séria. É preciso muito estudo sobre urbanismo, rios, vegetação, etc para
que seja feito um bom planejamento de forma geral.
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As escolas públicas voltaram a receber alunos no dia 7 de março
porque estavam servindo de ponto de apoio para pessoas desabrigadas.
Na última quinta-feira, dia 17 de março, 30 dias após a tragédia de fevereiro de 2022 passei à pé por uma das ruas que dão principal acesso ao centro para quem vem de outras cidades (Washington Luiz), no exato local onde caiu uma barreira que fez com que o nível do rio aumentasse muito e causasse um tipo de tsunami (termo usado pelas pessoas que estavam no ônibus) e que inundou dois ônibus no dia 15 de fevereiro e provocou vítimas fatais. Uma das imagens mais chocantes e tristes em um vídeo que viralizou, mas que eu não tenho.
Podemos ver que a prefeitura resolveu o mínimo
do mínimo para a cidade voltar a funcionar porque ainda há montes de terra
obstruindo calçadas nos barros (como Valparaíso), os corrimãos das pontes
continuam caídos, faixas e tapumes protegem as pontes, fiação de energia que
caiu ainda não foi retirada dos locais e os rios continuam cheios de lixo (só
foram removidos os corpos e veículos).
Nós que moramos em Petrópolis já sabemos que
temos que ter um modo de vida peculiar, especialmente quem mora há mais de 30
anos sabe muito bem disso. Por exemplo, chuva de verão é torrencial e sempre
causa inundação, então, quando a chuva engrossa já se sabe que deve evitar sair
de casa, até para ir para a escola ou trabalhar se for possível. É normal ter medo de chuva por aqui e quando as nuvens se aproximam os ânimos já ficam alterados.
Ontem, 20 de março de 2022, começou
oficialmente o outono trouxe uma frente fria (que foi avisada pela previsão do
tempo) e eu fiquei esperta e cancelei qualquer saída de casa. Chove de leve a
forte com poucas pausas desde ontem às 14hrs no centro de Petrópolis e em
vários baixos, chegando até os distritos onde costuma chover menos. Os rios
rapidamente encheram e transbordaram novamente, mas desta vez havia poucas
pessoas nas ruas (menos mal). De qualquer forma, já se tem notícias do
desabamento de uma casa, 5 pessoas mortas 3 desaparecidas e 95 ocorrências de
deslizamento de terra até agora.
Apesar da previsão do tempo nacional ter avisado
com antecedência desta vez, as sirenes de alerta local só são dadas depois que a
chuva perigosa já começou (tanto no mês passado quanto ontem). Agora Petrópolis
tem estado em todas as notícias, mesmo assim pouco foi feito pelo governo de
Rubens Bomtempo. Eu odeio ser partidária, mas acho importante compartilhar essa
informação. Será necessário que a gente cobre ações das autoridades para
resolver os problemas estruturais sempre, é preciso muita reforma por aqui.
Também vou relatar duas curiosidades felizes desse período de pouco mais de 30 dias.
Um bebê nasceu dia 20 de fevereiro em um abrigo no bairro Dr. Thouzet, em
seguida mãe e filho foram encaminhados para um hospital e ficou tudo bem. Uma
gatinha foi resgatada com vida depois de nove dias soterrada nos escombros do
Morro da Oficina e lhe foi dado o nome de Vitória, nome que representa não só a salvação dela como a sensação de todos que estamos vivendo esses momentos dramáticos com fé de que as coisas melhorem. Gratidão pela ajuda, preocupação e solidariedade de todos.