TRAGÉDIA EM PETRÓPOLIS-RJ
Petrópolis, 15 de fevereiro de 2022
A partir das 15h45 do dia 15 de fevereiro de 2022 começou a
chover muito forte em Petrópolis. Eu havia acabado de entrar na academia de dança no bairro Valparaíso para fazer o meu
treino de balé com minha professora Marion e uma colega. Ficamos preocupadas
com o volume de chuva, muitos raios e o tempo que estava durando esse temporal.
Meu namorado me mandou mensagem às 17h10 perguntando se eu
estava em casa e ele disse que estava no posto da Rua Treze de Maio, no centro,
onde ele pega ônibus pra ir pra casa no fim do trabalho, que a bateria do celular
dele estava acabando e que ele sairia de lá quando os ônibus voltassem a andar,
mandou também um vídeo de 5 segundos da rua e uma foto que parecia ser da outra
rua mais adiante que ele pega pra ir pra casa dele e que passa um rio no meio.
Isso me deixou confusa se ele estava dentro ou fora de um ônibus. Às 17h30 ele
escreveu também que a cidade estava com alguns pontos de alagamento e que não
tinha como ir pra minha casa também porque não dava para passar por perto da
Catedral. As mensagens foram poucas e confusas por causa da bateria do celular.
Minha avó também me mandou mensagem às 17h10 perguntando se eu estava bem e
dizendo que meu pai tinha deixado ela em casa, mas ainda não tinha conseguido
chegar à nossa casa.
RUA 13 DE MAIO
Saímos da academia de ballet às 18h porque vimos que as
condições não estariam boas para eu voltar pra casa mais tarde com tanta chuva
e possibilidade dos rios encherem, então cancelamos as próximas aulas do dia.
Ao sairmos vimos tanta água caindo do céu que pareciam estar jogando baldes,
também caindo das calhas e das escadinhas parecia uma cascata e parte do
asfalto com bastante água descendo. O carro da Marion estava estacionado do
lado e vimos que uma pequena árvore tinha caído em cima dele e um pouco de
terra no lado do motorista, de forma que tivemos que entrar as duas pelo lado
do carona e ela ficou muito nervosa, mas só deu um pequeno arranhão e tivemos
sorte de conseguir sair sem atolar. Descemos a rua até onde conseguimos, na
altura do cemitério, e eu mandei um pequeno vídeo pra minha mãe, pai e namorado
pra avisar que o trânsito estava intenso e parado e com muita chuva.
Quando começamos a pensar em voltar e fazer outro caminho, a
fila andou um pouco e ela se ofereceu pra me deixar mais perto de casa (na Praça
da Liberdade) antes de seguir o caminho dela. Pensei nessa hora em ela pegar
meu namorado e deixa-lo no caminho dele porque iriam tudo na mesma direção, mas
andamos quase nada. Paramos, e tivemos que seguir o caminho para a casa da
Marion porque para o lado da minha casa as pessoas da frente falaram que estava
tudo alagado e todo mundo mudou a direção. Então paramos novamente e eu vi que
ia demorar porque pra qualquer lado tinha rios e estavam todos cheios, os
carros estavam desligados. Comprei um biscoito e um café pra nos aquecer porque
estávamos encharcadas só de ter andado com guarda-chuva da porta do Studio até
o carro que estava ao lado. Ficamos paradas na Rua Montecaseros de 18h até 20h
mais ou menos.
As pessoas que chegaram perto do rio disseram que a
correnteza estava na altura do peito de um homem. Esse foi o 1º dia de aula
presencial de muitas crianças depois de 2 anos de pandemia. Na rua onde
estávamos, havia muitas crianças pequenas na escola, estávamos na parte alta da
rua, seguras, mas quero ressaltar que estávamos em horário comercial, então
estavam todos nos seus trabalhos e ficaram presos assim como muitos pais não
conseguiram ter acesso para buscarem os filhos na escola. Foi aí que eu comecei
a ter ideia do tamanho da confusão.
Às 18h30 a chuva parou por ali onde estávamos e eu estava
nessa meia horinha me comunicando com todos: meu cunhado, cunhada, meu pai...
Pedi pra meu pai mandar vídeo de onde ele estava. Ele disse que estava na Rua
Teresa e eu não entendi porque ele estava lá porque não tinha nenhuma explicação
óbvia pra isso. Consegui saber que meu cunhado e cunhada estavam bem também
apesar de que só falei com ele que estava no trabalho. Eu também comecei a ver
mensagens de grupos de whatsapp que
não tinha pressa de abrir porque costuma ter só brincadeiras de amigos, mas
tinha muitas mensagens de vídeos chocantes mostrando o que a chuva estava
fazendo na cidade. Uma amiga desse grupo, inclusive havia saído para buscar a filha na escola e ficou ilhada no centro.
BAIRROCENTRO
A partir de 19h, enquanto esperávamos o nível do rio baixar a
gente saiu do carro e conversamos com algumas pessoas e elas já estavam falando
que caíram duas barreiras no bairro Alto da Serra: a da Rua Teresa (onde meu
pai estava) e outra no Morro da Oficina (esse é o nome do local) com muitas
casas em situação de risco e muitos moradores, inclusive uma escola soterrada.
Ouvimos fake news também, por exemplo
que caiu um prédio na Rua Paulo Barbosa, que é a rua que eu moro e onde minha
mãe estava. Fiquei apavorada e liguei pra ela, ainda bem que ela estava bem,
porém não conseguia ver muita coisa da janela e só ouvia umas pessoas gritando
e olhando pra o começo da rua. Da onde eu estava, dava pra ver na rua de baixo um
caminhão abandonado, e ônibus estacionados ao nosso lado na descida, não deu
pra mostrar muito bem nos meus vídeos porque já estava muito escuro. Eu fui ao
banheiro de um petshop e encontrei uma conhecida que não sabia que trabalhava
lá, estava tudo bem com a família dela.
MORRO DA OFICINA
Como eu estava em uma rua praticamente paralela à que meu
namorado estava ilhado, tentei de toda forma entrar em contato, mas realmente
ele estava com o celular descarregado. A última mensagem que chegou pra ele foi
às 18h40. Ele: “Ainda na 14” (saiu 14 em vez de 13 mesmo) e eu: “E eu ainda
perto da Montecaseros. Sua irmã está bem?” Ele parecia estar com esperança de
os ônibus voltarem a correr e as mensagens dele estavam muito confusas,
provavelmente por causa da bateria fraca.
Às 20h30 o nível do rio baixou e meu pai conseguiu chegar em
casa e ligar para o celular da Marion pra falar comigo.
VÍDEOS CAMIMHO PAI
Ela me deixou exatamente na rua onde ele estava porque foi o
local mais a caminho da minha casa e seguiu o caminho dela. Eu tentei olhar
todos os rostos que pude, mas não o encontrei, tinha muita gente começando a
andar, todo mundo parecendo medigo, e “meti o pé” pro meu caminho porque podia
voltar a chover. Pensei que o William, meu namorado, também teria começado a ir
à pé pra casa dele. Tentei ir o mais rápido que pude. Isso era 20h40, até tirei
rapidamente algumas fotos de coisas inimagináveis no centro histórico como um
carro na beira de cair, os corrimãos das pontes da frente da Catedral
desmoronados, as grades das casas caíram também e muita lama, o jardim na
frente da Câmara de Vereadores tinha virado um lago, saía muita água de dentro
das portas de vidro da secretaria de turismo e do Instituto Municipal de
Cultura, parecia uma fazenda, eu nunca sequer poderia imaginar tamanho estrago.
Ouvia também pessoas gritando que estavam vendo uma perna flutuando e coisas do
tipo. As equipes de resgate agora que estavam começando a chegar porque não
tinham conseguido passagem antes também.
VÍDEOS IMC
E MEU TRAJETO NO CENTRO
AVENIDA KOELLER
Chegando ao Theatro Dom Pedro no centro, entrei pela Nilo
Peçanha, uma rua estreita porque achei mais curto o caminho pra casa e parecia
desimpedida (não tinha visão do obelisco, acho que tinha um ônibus abandonado
na frente ou muitos carros). Então, todo mundo começou a correr e a gritar “Arrastão!”
Eu fiquei chocada porque “Como poderiam roubar as pessoas sem ter nem pra onde
levar os materiais? e “De onde teriam aparecido esses bandidos?”. Fiquei com
medo de morrer de tiro no meio desse desastre, que coisa absurda! As pessoas
estão ficando loucas mesmo. Estava todo mundo sem saber pra onde ir. Entrei no
primeiro local seguro que encontrei uma lanchonete, porque pra onde eu olhava
(clínicas e coisas assim) as pessoas estavam do lado de fora ou atrás de
grades, o que não protege de assalto. O funcionário abaixou o portão e estava
com duas facas na mão ameaçando cortar o pescoço de quem estivesse fazendo
arrastão. Eu fiquei em pânico! Ali só tinha eu, duas funcionárias mulheres,
dois funcionários homens e uma pedestre. A transeunte se abaixou e começou a
chorar, eu respirei e pensei que estava tão perto de casa que devia sair logo
dali. Pedi pra fazerem silencio para não saberem que a gente estava ali dentro.
As pessoas ainda corriam e gritavam do lado de fora. Em cerca de 5 minutos os
gritos pararam, eu tomei coragem e saí. Vi mais pessoas apavoradas no caminho.
VÍDEO ARRASTÃO
Consegui chegar ao meu prédio às 21h50. Havia muitas pessoas
abrigadas dentro da galeria onde moro. Meu celular voltou a pegar, eu me limpei
porque estava suja de lama até o joelho, tomei banho e vi que ainda não tinha
mensagens do William. A irmã dele que mora ao lado dele estava em contato
comigo. Acho que ela não estava sabendo a proporção do estrago que estava
acontecendo, assim como minha mãe. Sorte delas! Fiquei sabendo por contatos que
passaram pela rua onde ele precisava passar, que um poste havia explodido e uma
parte do asfasto havia caído. Fiquei nervosa e extremamente preocupada, as
horas estavam passando muito lentamente e ninguém conseguia me acalmar.
Na hora que eu acabei de fazer a primeira oração do terço
ajoelhada, às 23h58, a Josi, cunhada, avisou que ele chegou. Até chorei de
alívio. Liguei e nos falamos. Alguns amigos de outras cidades já estavam
sabendo o que estava acontecendo em Petrópolis, me perguntando e eu mandei
mensagem avisando que estava bem, alguns conhecidos daqui também. E assim, por
volta de 2h da madrugada eu consegui dormir, depois de ter deixado alguns
alimentos para o porteiro que estava há quase 24h em serviço e eu sabia que não
iria conseguir sair daqui tão cedo.